Urgências em felinos: o que devo priorizar?


Por Marcela Malvini em 05/10/2015 | Medicina de Felinos | Comentários: 0

Rodrigo Cardoso Rabelo

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 Urgências em felinos: o que devo priorizar?


Os gatos possuem particularidades importantes que devem ser levadas em conta no momento de sua admissão, abordagem, diagnóstico e tratamento. Durante o atendimento de urgência, o conhecimento sobre os cuidados e necessidades especiais dos felinos pode constituir o grande diferencial entre salvar ou não a vida do paciente. Uma conduta inicial direcionada e adequada correlaciona-se tanto com a possibilidade de recuperação imediata quanto com a sobrevida a médio e longo prazos. 

Dentre os aspectos de maior relevância, destaca-se a resposta diferenciada dos felinos frente a situações que envolvem a relação entre hipovolemia e as manobras de reanimação volêmica. A vasoconstrição compensatória, esperada em situações de comprometimento hemodinâmico, nem sempre ocorre de forma adequada.  Os gatos possuem fibras vagais alinhadas às fibras simpáticas, e sob temperaturas reduzidas, há perda da responsividade dos receptores α1-adrenérgicos e da vasoconstrição termorregulatória. Ambos fatores interferem na habilidade de resposta adrenérgica. Nestes pacientes, também há uma menor capacidade de armazenamento e mobilização de sangue a partir do baço, responsável por uma resposta fisiológica positiva.  Desta forma, ao contrário do que ocorre no cão, o choque no gato é tipicamente hipodinâmico e tende a cursar com vasoplegia. Toda atenção é então direcionada a desafios específicos em conjunto com o cumprimento de metas e protocolos especializados.

Prioridades de atendimento

Abordagem primária

Durante a admissão do paciente em estado crítico, o atendimento emergencial primário representa um direito amparado por lei, sob pena de multa e detenção. Nesta ocasião, as intervenções necessárias à manutenção da vida requerem ventilação adequada, estabilização da volemia, reaquecimento do paciente e a remoção das causas desencadeantes. Simultaneamente à realização do protocolo ABC baseado em metas (A: via aérea patente, B: boa respiração, C: circulação) cuja estratégia de reanimação está baseada numa abordagem sistematizada que visa atingir valores mínimos de segurança, é obtida a anamnese emergencial CAPÚM (Cena, Alergia, Passado/ Prenhês, Última refeição e Medicamentos em uso) onde são investigados aspectos relevantes para a determinação da origem do incidente e do comprometimento orgânico. 

Algumas situações configuram a necessidade de inversão do protocolo ABC emergencial em que a circulação torna-se prioridade em relação às vias aéreas. São elas:

₪ Sangramento arterial massivo ou em câmaras cardíacas;

₪ Fibrilação ventricular no primeiro minuto; 

₪ Ressuscitação cardiopulmonar com uma única testemunha ou nos casos de parada por causa puramente circulatória sem compromisso das vias aéreas.

A principal estratégia de reanimação é corrigir a ocorrência de lesões ocultas pelo organismo no estágio compensatório, antes que um estágio descompensatório se inicie, sempre buscando restabelecer a entrega de oxigênio aos tecidos (viabilidade micro circulatória) e a perfusão tecidual (condição macro circulatória.

A evolução do quadro descompensatório é a progressão para hipoperfusão profunda dos tecidos e a ocorrência da síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS), sepse e disfunção múltipla de órgãos (SDMO).

Portanto, o choque no paciente felino caracteriza-se, principalmente, pela ocorrência de hipotensão (PAS: inferior a 100 mmHg/PAM inferior a 80 mmHg), hipotermia, bradicardia e elevação do lactato sérico (superior a 2,5mmoL/L). A presença destas alterações é intitulada pelos autores de quadrilátero da morte dos felinos, onde, cada ponto interfere e contribui para o agravamento do outro. Durante a avaliação do paciente é possível a detecção de mucosas hipocoradas, ictéricas ou cianóticas; débito urinário reduzido (inferior a 1mL/kg/h); extremidades frias, tempo de esvaziamento da jugular aumentado ou ausente; pulso fraco; alteração de ritmo cardíaco.

Abordagem secundária

Após alcançar as metas e estabilizar o quadro inicial, deve-se iniciar o exame completo do paciente e avaliar a necessidade da realização de intervenções cirúrgicas e exames adicionais para a definição do diagnóstico definitivo e tratamento da causa de base. É importante ressaltar que é totalmente contra indicada a realização de exames radiográficos em pacientes com descompensação respiratória. A manipulação excessiva do paciente em associação a uma reserva de oxigênio pulmonar mínima pode resultar em óbito.

Também é de extrema importância a monitorização do nível de consciência. As alterações mentais podem ocorrer subitamente diante entregas inadequadas de oxigênio e glicose, constituindo um fator prognóstico negativo. A avaliação do nível de consciência do paciente se dá inicialmente pelo sistema AVDN (Alerta, responde ao alerta Verbal, responde somente a estimulação Dolorosa, Não responde) e posteriormente pela escala de Glasgow modificada para pequenos animais. 

Cuidados como o controle da dor, mudança de decúbito e manutenção de um ambiente adequado, limpo e tranquilo nunca devem ser esquecidos, pois, constituem parte fundamental da recuperação do paciente. 

 

A utilização de terapia antimicrobiana de amplo espectro e do manejo alimentar adequado para a espécie faz parte da gestão de cuidados otimizados do paciente felino. Frequentemente são requeridas sondas de alimentação esôfago-gástricas para prover o requerimento energético mínimo para manutenção da vida. Os felinos são carnívoros essenciais e dependem da oferta de proteína como fonte de energia, sendo um erro grave considerar a fluidoterapia uma forma de suporte nutricional.


As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião da treevet


Sobre o autor

Marcela Malvini

Médica Veterinária graduada pela PUC-MG em julho de 2009. Dedicou todo o período de sua graduação à Medicina de Felinos, realizando estágios em clínicas voltadas para a especialidade, como a Clínica Veterinária Gatos & Gatos no Rio de Janeiro e a Clínica Veterinária Vetmasters em São Paulo. Entre outros estágios de maior relevância destacou-se, também, o realizado em Madrid/Espanha cuja ênfase foi em Medicina de Urgências e Cuidados Intensivos. Realizou Pós Graduação Lato Sensu em Gestão Estratégica de Empresas, foi monitora e coordenadora de cursos de Pós Graduação em Clínica de Felinos. É mestre e doutora pelo departamento de Clínica Médica da FMVZ/USP sob orientação do Prof. Archivaldo Reche Júnior, foi professora da disciplina Tópicos especiais em clínica de felinos na Pontifício Universidade Católica de Minas Gerais - Betim/MG e é autora de capítulos de livro de Medicina Felina, Urgência e Emergência. Coordenadora Científica da Tree Vet & CAT - Consultoria, Atendimento e Treinamento em Medicina Felina.


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