Cuidados com o Gato Geriátrico


Por Archivaldo Reche Junior em 06/10/2015 | Medicina de Felinos | Comentários: 0

Marcela Malvini Pimenta

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Cuidados com o Gato Geriátrico

 

A expectativa de vida dos pacientes felinos torna-se cada dia maior diante a possibilidade de avanços na medicina veterinária e dos cuidados cada vez mais direcionados e específicos para a espécie. A saúde nutricional, atualmente desvendada com maior precisão, também contribui para a longevidade, assim como o domiciliamento e o menor risco de exposição às doenças infecto-contagiosas e aos traumas inerentes à vida livre.


Apesar de não existir uma idade específica para os gatos atingirem a senilidade, foi proposto um sistema de classificação segundo os estágios de vida com o objetivo de permitir o direcionamento dos riscos de desenvolvimento de doenças no animal idoso. Assim, uma forma de caracterizar as transformações biológicas, imunológicas e metabólicas ocorridas com o avançar da idade foi a de classificar os pacientes em gatos de “meia idade” (entre 7 e 10 anos), “senis” (entre 11 e 14 anos) e “geriatras” (acima de 15 anos). 

 

Algumas mudanças são esperadas com o envelhecimento tais como alterações dos hábitos e comportamentos, na metabolização de fármacos, interações com pessoas ou outros animais de estimação, padrões de sono e higiene, alimentação e peso corporal. Com a senilidade também ocorre perda do olfato e visão, pigmentação fisiológica da íris, redução da eficiência de digestão e absorção de gordura. No entanto é importante diferenciar o que é comum do que é patológico.

 

Independente de haver um aumento gradual da incidência de certas doenças com a evolução da idade, a intervenção precoce é sempre a melhor opção para evitar a progressão de uma dada afecção, estabilizar o paciente ou promover a cura quando possível, em qualquer fase da vida.

 

Desta forma, ao atingir a meia idade, é necessário reforçar a necessidade de avaliação de todos os gatos quanto à elevação da pressão arterial; aumento dos lobos tireoidianos; manifestação de poliúria e polidpsia; alteração de apetite (hiporexia, anorexia, polifagia), coordenação, marcha e postura; presença de dor; apatia ou hiperatividade; alteração da ausculta cardíaca e pulmonar; presença de massas abdominais e ou espessamento de alças intestinais; escore corporal; tamanho, forma e consistência dos rins; qualidade da pele e pelo; saúde oral; qualidade das fezes e da urina (freqüência, volume, odor, cor). 

 

Ao envelhecer alguns problemas se tornam mais comuns como as neoplasias, sobretudo o linfoma alimentar; a doença renal crônica (DRC); o hipertireoidismo e as alterações cognitivas.

 

Doença renal crônica (DRC)

 

Os rins são responsáveis pelas funções excretora, regulatória e endócrina do organismo, propiciando a manutenção do fluido extracelular tanto em composição como em volume, assegurando a homeostase ácido básica e hidro eletrolítica. 

 

A doença renal crônica ocorre devido à perda progressiva de suas funções como também em decorrência do desenvolvimento de anormalidades estruturais. A perda de tecido renal funcional resulta no comprometimento dos néfrons remanescentes e em insuficiência e falência renal futuras. 

 

Existem mecanismos compensatórios intrínsecos que são acionados como tentativa de manter a integridade funcional dos néfrons, mas que, no entanto, trazem consequências como o desenvolvimento de hipertensão arterial sistêmica, hipertrofia renal, aumento da amoniagênese renal e alteração do metabolismo de fósforo. A hiperfosfatemia resultante da redução da filtração glomerular é responsável por induzir o quadro de hiperparatireoidismo secundário renal, constituindo um estímulo para secreção de paratormônio (PTH) e consequente reabsorção óssea de cálcio, podendo levar a mineralização de tecidos moles, inclusive o renal, perpetuando e acentuando a perda de néfrons funcionais. 

 

A anemia é um achado comum correlacionado ao grau de comprometimento renal.  A acidose metabólica também é frequente. A DRC ainda induz a ocorrência de hipopotassemia, hipercolesterolemia, hipercalcemia, hiperamilasemia, proteinúria e infecção do trato urinário. A elevação dos níveis séricos de uréia e creatinina (azotemia) delimitam o início das manifestações clínicas ocasionadas pela DRC, sendo esse parâmetro utilizado durante a classificação da DRC pela IRIS - International Renal Interest Society. A progressão da doença é caracterizada por quatro estágios, de acordo com a concentração sérica de creatinina.

 

Dentre as manifestações clínicas destacam-se a poliúria, polidpsia, anorexia, perda de peso, vômito e diarréia. Todos os animais poliúricos tendem a perder potássio, contribuindo assim para a progressão da doença. Dependendo da sua magnitude os animais podem manifestar fraqueza muscular e ventroflexão do pescoço.

 

Durante o tratamento, existem algumas prioridades além da hidratação e da reposição de potássio como a reversão da acidose metabólica, náusea, vômito e anorexia; e reposição de vitaminas do complexo B. A hiperacidez gástrica causa náusea e também deve ser intercedida. É recomendado o uso de dieta restrita em proteína, fósforo e sódio. Porém, essa alimentação apresenta menor palatabilidade, não devendo ser introduzida no período de anorexia e náusea, com objetivo de evitar aversão alimentar. Nesta ocasião, o gato terá dieta liberada, evitando-se assim o agravamento do catabolismo protéico endógeno e o emagrecimento. As sondas de alimentação enteral são opções que não devem ser esquecidas, principalmente as esôfago-gástricas. O hidróxido de alumínio é um quelante de fósforo, indicado para os pacientes hiperfosfatêmicos. 

 

O diagnóstico de hipertensão é concedido somente após três mensurações da pressão arterial, em momentos distintos ou diante a ocorrência de lesão em órgãos alvo (olhos, coração, rins e cérebro).

 

Devido à perda dos mecanismos intrínsecos de defesa do sistema urinário, indica-se a realização de exames de urina (análise física e química), cultura e antibiograma para avaliar a necessidade de terapia adicional.  Eventualmente pode ser necessário a realização de transfusão sanguínea ou estimulação de produção eritrocitária por meio do uso de eritropoetina.


A título de curiosidade, estima-se que a prevalência da DRC em gatos idosos seja três vezes mais alta do que em cães idosos.

 

Hipertireoidismo

 

O hipertireoidismo é a endocrinopatia mais comum em gatos e ocorre devido a produção excessiva de tiroxina (T4) e de triiodotironina (T3) pelas glândulas da tireóide. Essas glândulas não são palpáveis no animal normal. Nos gatos acometidos pela doença, pode haver hipertrofia lobar unilateral ou bilateral, palpável em até 90% dos pacientes.

 

Em alguns casos ocorre deiscência caudal de lobos tireoidianos e assim eles são detectados em sua localização cervical caudal. No entanto, diante sua migração para entrada da cavidade torácica, os lobos aumentados não são detectáveis pela palpação. 

 

A confirmação do diagnóstico é possível diante o aumento dos níveis séricos de T4 total. O padrão de normalidade varia entre 1,5 a 4,5 µg/dl. Valores superiores a esses são preditores da doença. Entretanto, algumas afecções são reconhecidamente responsáveis por suprimir este aumento. Por esse motivo, é necessária a realização de exames adicionais em associação a anamnese e ao exame físico para a obtenção do diagnóstico conclusivo.  Um sintoma que chama atenção é a perda de peso associada à polifagia.

 

Outras manifestações clínicas devem ser investigadas como o vômito, diarréia, poliúria e polidipsia. O aumento da taxa de filtração glomerular proveniente do hipermetabolismo em conjunto com a perda de massa muscular decorrente do emagrecimento muitas vezes é responsável por mascarar um quadro de DRC concomitante.

 

Por constituir uma doença multissistêmica, cerca de 90% dos animais acometidos também apresentam elevação de ALT ou FA, que são facilmente revertidas após o tratamento. A hipertensão arterial sistêmica e a hipertrofia ventricular esquerda são as principais alterações relacionadas ao sistema cardiovascular. Aproximadamente 50% dos pacientes portadores de hipertireoidismo podem demonstrar elevação do volume globular médio, possivelmente pela ação direta dos hormônios tireoidianos na medula óssea.


Dentre as possibilidades de tratamento, a terapia com iodo radioativo (I 131) confere muitas vantagens em relação ao tratamento cirúrgico e medicamentoso convencionais. Trata-se de um procedimento simples, seguro e não invasivo em que normalmente uma única dose administrada por via oral possibilita a destruição dos tecidos hiperfuncionais, sem alterar o tecido tireóideo normal.

 

Comumente os gatos tornam-se eutireóideos após o tratamento, sendo este eficaz em pelo menos 95% dos gatos. A única recomendação é a de suspender todas as medicações anti-tireóideas antes do início do tratamento e a hospitalização pós-terapêutica que pode atingir duas semanas, de acordo com o regimento de cada estado e níveis de radioatividade atingidos.

 

A terapia com I131 é disponibilizada apenas em locais devidamente regulamentados.

 

Linfoma

 

O linfoma é o tumor mais comumente descrito em gatos, representando um terço de todas as neoplasias felinas e aproximadamente 90% das neoplasias hematopoiéticas. De acordo com a sua localização, esse grupo de neoplasias é subdividido em linfoma alimentar (LA), linfoma mediastínico ou torácico, linfoma multicêntrico ou linfoma extra nodal.

 

O linfoma alimentar é a forma anatômica de maior incidência e prevalência na espécie felina, acometendo entre 32 a 72% dos gatos com linfoma. Em animais mais velhos, com idade superior a dez anos, há uma tendência do desenvolvimento de tumores de baixo grau (linfoma linfocítico), sendo os machos os mais predispostos. Acredita-se atualmente, na permanência da forte correlação entre a ocorrência de linfoma e a infecção pelo vírus da leucemia felina (FeLV).

 

Apesar de uma redução na prevalência desta doença, os tumores podem ocorrer em felinos sorologicamente negativos para FeLV e no entanto positivos para o teste de PCR, com detecção do DNA pró-viral. O vírus da imunodeficiência felina (FIV) também constitui um fator de risco, assim como a ocorrência da doença intestinal inflamatória (DII).


As manifestações clínicas são compatíveis com a localização da lesão dentro do trato digestivo, no entanto, a anorexia, perda de peso, vômito e diarréia crônica são sintomas comuns. As anormalidades hematológicas são inespecíficas. Contudo, a anemia e a hipoproteinemia encontram-se presentes em até 50% dos pacientes. Alterações no leucograma incluem leucocitose com desvio a esquerda e em alguns animais monocitose.

 

O exame ultrassonográfico é o de escolha face ao radiográfico, por permitir a identificação de linfadenomegalia, espessamento da parede intestinal e perda de estratificação das camadas intestinais. Todavia, o diagnóstico definitivo muitas vezes requer a realização de biópsia cirúrgica de espessura completa e a realização do exame histopatológico e ou imunoistoquímico.

 

Também é possível diferenciar as infiltrações neoplásicas das inflamatórias por meio da identificação de rearranjos de gene específicos dos receptores gama das células T – T cell receptor Y chain gene, utilizando-se o teste de reação da polimerase em cadeia – PCR.


Os protocolos quimioterápicos são atribuídos de acordo com a fase da doença e segundo sua classificação, assegurando a melhora do paciente com um mínimo de efeitos colaterais. Os principais agentes antineoplásicos utilizados incluem a doxorrubicina, ciclofosfamida, vincristina, metrotexato, L-asparaginase, lomustina e prednisolona, preferencialmente de forma associativa.

 

Síndrome da disfunção cognitiva 

 

A síndrome da disfunção cognitiva felina (SDCF) é atualmente reconhecida como um importante problema clínico, apesar de não existir um teste diagnóstico específico para gatos. Trata-se de uma doença semelhante ao Alzheimer em pacientes humanos, caracterizada por lesões progressivas do sistema nervoso.

 

Os sintomas são quase sempre inespecíficos envolvendo a incapacidade de reconhecimento de pessoas e animais; alteração de aprendizado; perda de percepção, memória e interatividade com o proprietário ou com outros membros da família; andar compulsivo, sem rumo e em círculo; inversão do ciclo de sono e vigília; dificuldade de resolução de problemas; perda da audição, visão e identificação espacial; vocalização excessiva; incontinência urinária e fecal e ocasionalmente, comportamento agressivo.


O diagnóstico é possível por meio da identificação das manifestações clínicas e exclusão de outras doenças com sintomatologia semelhante, como por exemplo, os tumores cerebrais primários ou metastáticos e os acidentes vasculares cerebrais. O clínico também deve verificar se o problema é puramente comportamental ou um indício de uma anormalidade neurológica verdadeira.

 

A história referida pelo dono a respeito do comportamento habitual do animal e das circunstâncias que antecederam o início dos sintomas pode ajudar a diferenciar um problema comportamental de um neurológico. A presença de déficits neurológicos, além do problema do estado mental, confirma a existência de uma anormalidade no sistema nervoso central. Em qualquer gato com sintomalogia neurológica de início agudo, deve-se considerar a possibilidade de intoxicação.

 

Não existem fármacos licenciados para o tratamento da disfunção cognitiva em gatos. Apesar de possível a adaptação dos protocolos realizados em cães e da comprovação de melhora dos sintomas, não há descrição dos possíveis efeitos colaterais na espécie felina. 


As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião da treevet


Sobre o autor

Archivaldo Reche Junior

Graduado em Medicina Veterinária pela FMVZ-USP Mestre em Clínica Veterinária pela FMVZ-USP Doutor em Clínica Veterinária pela FMVZ-USP Atualmente é prof. Doutor do depto de Clínica Médica da FMVZ-USP MV. da Clínica de especialidades VET Masters com atendimento exclusivo a Felinos


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